segunda-feira, 23 de maio de 2011

Conto# Destinatário Ausente


São João do Céu, 31 de Agosto de 1994
Eu resolvi te escrever. Eu tinha prometido que não iria fazer isto, mas preciso te dizer algumas coisas. Algo que ficou engasgado desde daquele dia quando você resolveu sair de casa. Ainda me pergunto que danado aconteceu pra você tomar tal decisão.
Eu achava que te fazia feliz. Que tudo que tinha realizado estava causando um efeito positivo. Sonhei com você esta noite. Quase todos os meus sonhos terminam com seu sorriso no fim. Sinto sua falta. A casa está tão vazia. A sua ausência está me consumindo. Tudo aqui fala de nós: as cadeiras, o sofá, os talheres...
Mesmo agora, para redigir esta carta, eu tento não lembrar que estou sozinho. Sabia que você esqueceu sua escova de dente?Quando vem pegar?Ainda moro no mesmo lugar. Embora eu deseje fugir daqui todas as noites quando chego do trabalho, eu ainda moro aqui. No mesmo endereço.
E, na verdade, aguardo a sua visita. Lembra-se que te perguntei se iria me visitar? Pois é, ainda não veio. Soube que esteve na cidade, então fiz almoço, troquei os móveis de lugar, e sentei ao lado do telefone. Nada. Ele não tocou. Acho que vou cancelar a linha. Ninguém me liga mesmo.
O que anda fazendo? Tenho certeza que pretende sair pelo mundo a fora. Sempre me disse que um dia faria as malas e diria “ADEUS” a tudo e a todos e que sua casa seria a estrada. Passe por aqui antes de partir e me leve contigo. Quem sabe podemos nos divertir bastante por ai...
Mas me diga uma coisa: Tem alguém com você? Faz tanto tempo que é bem capaz de está namorando. Não tem problema. Quero apenas que seja feliz. Ainda penso naquela viagem que fizemos para o litoral. Você estava muito ansiosa.
Fiquei emocionado quando percebi que era a primeira vez que via o mar. Tudo aquilo era novo e nos pertencia. O mar com sua imensidão, você e o espanto de felicidade, e eu lá lhe observando e te adorando... E tomando posse de tudo.
São tantas coisas. Não quero dizer mais nada. Nem sei dizer mais nada. Desaprendi a dizer. Você partiu e eu vejo o seu rastro em todo o canto da casa. O ar está impregnado com seu cheiro. Ainda ouço sua risada. Ontem mesmo me encontrei falando sozinho. Pensei ouvir você me perguntando alguma coisa...
Alguma coisa... Não sei exatamente. O que sei exatamente é que sua falta me é constante. E o engasgo também. E é sobre isto que resolvi te escrever.
O que ficou engasgado desde aquela tarde sombria, até hoje, enquanto você me dizia sentada na cama com os olhos fixos, exatos, decididos, malas prontas, objetos repartidos, que iria embora, e que não me dava a chance de reparar o que nem sei que precisava ser reparado, era somente uma coisa, e ver você ir, porta abrindo, porta fechando, lábios contraídos, mãos vazias, passos morrendo na escada, batida do portão, chave pendurada do lado de fora, saudade, saudade...
O que faltou era dizer isto: EU TE AMO.
                                                                                                Morzão.
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